2014
Miragens, de Lucas Oliveira
Marco Buti - multiplicação e miopia 2
Entrevista para Marcio O. Fonseca
Entrevista para a Revista Graciliano - Alagoas
2013
Prêmio ARTE Ref Entrevista com a artista da semana
2011
Miragens, de Lucas Oliveira
Marco Buti - multiplicação e miopia 2
Entrevista para Marcio O. Fonseca
Entrevista para a Revista Graciliano - Alagoas
2013
Prêmio ARTE Ref Entrevista com a artista da semana
2011
DESENHADORA, por Lucas Oliveira.
OF SNAKES, MYTHOLOGY AND ABY WARBURG, by Stefanie
Hessler
Entrevista ao site Colherada Cultural
VERDE AZUL AMARELO ROSA E BRANCO, por
Fabiano Calixto
Poesias de Francesca Cricelli para as
obras da exposição Encapelado
2010
Diálogo de Flora Assumpção com Marco
Buti
Perguntas do Instituto Tomie Ohtake
aos artistas selecionados para o Prêmio Energias na Arte
2014
FLORA
ASSUMPÇÃO Miragens. 2014
Texto
crítico: Lucas Oliveira
(curador independente, Assistente de Curadoria no MASP, trabalhou no MAM-SP, graduado em artes plásticas na UNESP e cursando filosofia na USP)
A
exposição 'Miragens', individual da artista Flora Assumpção, apresenta um
panorama de obras inéditas produzidas entre 2011 e 2014. Flora realiza um
trânsito entre linguagens como desenho, gravura, fotogravura, vídeo, objeto e
instalação. Além disso, recorre a recursos tecnológicos, a exemplo da gravação
a laser e adesivos espelhados ou plásticos, que lhe permitem distender os limites
entre as técnicas tradicionais e os materiais expressivos industriais. Cria
corpo para que a solução material seja o elemento forte de conhecimento e
aproximação dos trabalhos.
Nesse
sentido, a ideia de “miragem” pode remeter a própria qualidade do material,
sendo ele o conteúdo essencial de si mesmo, norte da experiência de contato com
o trabalho de arte. Aspectos ópticos da luz, como a refração, o brilho ou a
textura das superfícies, o espelhamento, a imersão na cena, tudo contribui para
ampliar os sentidos e traduzir um ambiente psicológico das obras. Por outro
lado, podemos entender “miragens”, nas palavras da artista, como “metáfora
inevitável das ilusões humanas”. Afinal, o que são a curiosidade, o deslumbre e
a ilusão se não sintomas do desejo?
A
exposição é aberta com parte da série 'Pequeno Compêndio das Tormentas
(Furacões e Mares)', na qual a artista reelabora
a combinação que talvez seja a mais forte de sua trajetória: a estética
funcional da máquina da natureza e o imaginário fantástico. Flora trabalha
sobre imagens do sublime, aquelas que submetem a humanidade à sorte das formas
mais imensas e destrutivas da natureza. Nestas fotogravuras e
fotografias, a artista se apropria de imagens retiradas da internet. Tensiona
com o conteúdo sublime das tempestades, dos maremotos, editando e manipulando
as imagens. Flora retira as imagens de sua condição pública e as sequestra para
o seu laboratório, submetendo-as ao processo artesanal longo e delicado que é
gravar uma fotografia em camadas, corroendo o metal. Lado a lado, as ondas
gigantescas e as nuvens parecem sugerir que a grandiosidade e a violência
desses fenômenos possuem uma dimensão intimista, privada, secreta. Como se fosse possível reduzir a sua fúria e estudá-la
detalhe por detalhe, como uma célula ou sistema filosófico.
Em
'Salar', Flora nos dá uma pista do seu interesse pelas paisagens da América
Latina. Bem como em 'Montanha Construída', ela propõe que as experiências
corporais e de percepção visual sejam o parâmetro do espectador para transportar-se
para esses espaços, fazendo do corpo a régua para medir e provar uma geografia.
Novamente, retira-se da natureza alguns elementos, alguns detalhes que permitem
internalizar a referência da paisagem e do espaço, fazer deles um exercício
ficcional e de percepção. Em ambos, a ideia do “sem fim” e da camuflagem é
reiterada pela captação das texturas, da umidade ou da aridez.
As
séries 'Engrenagens', 'Serpentes Negras' e 'Spectros são aquelas que, de
maneira mais evidente, antecipam a noção de “máquina”, sempre presente na
trajetória da artista. A ideia de engrenagem, de maquinário, decorre da
observação e do uso que Flora faz de adereços do vestuário, malhas de metal,
correntes, joias, bijuterias etc. É importante considerar também que há aqui
uma influência vibrante da literatura fantástica de autores como Jorge Luís
Borges, Júlio Cortázar e Gabriel Garcia Márquez. Criam-se simulacros, máquinas
de criar desejo.
Na série Spectro, onde encontramos
imagens de criaturas que parecem misturar-se à superfície das folhas de ouro e
prata, propõe um momento único e vertiginoso com cada imagem. Não são gravuras,
não são objetos, mas um encontro, um tensionar entre a sedução da matéria e o
movimento da forma. Qual é a forma do ouro; qual é a matéria do monstro. Estas
séries provocam a sensação intensa de adentrar uma situação de estudo, de
laboratório, na qual o processo criativo de Flora é bastante palpável, simples,
e sendo investigação, convida a nós, os funcionalistas, a uma experiência
sensível de saber.
Da
mesma maneira, as séries 'Animais Simbióticos' e 'Fósseis' possuem um forte
componente ficcional. São criaturas míticas cujo enigma está salvaguardado pela
dimensão do espelho, pela segurança do cubo acrílico gelado.
Extrapolando
o plano bidimensional e trabalhando com o objeto, Flora nos brinda com uma
amostra da série das 'Piscinas', uma transferência da iconografia e dos
cenários ficcionais míticos, sagrados e fantásticos para uma experiência de
contato com a natureza - a água - totalmente controlada, retraída. A água sem
movimento é como o tempo parado, sem vida.
Se o
tempo fosse parado e nos lançasse a um estado de suspensão e vertigem; se o
fluxo da água pudesse ser rompido pela lógica do objeto, haveria uma tentativa
imediata de resposta na obra final da exposição. A instalação 'Vertigem do Mar'
responde a essa paralisia com a expansão do tempo, uma experiência de imersão
corporal sem fim. Note, porém, que as sequências das ondas não são diferentes
do modelo de produção industrial, de repetição, contenção e estudo, como o é a
'Piscina'. A natureza e a máquina, no limite, seriam apenas efeitos da
percepção imediata.
habitar a paisagem CLEIRI CARDOSO
outras naturezas, outras miragens FLORA ASSUMPÇÃO
paisagens gráficas ELAINE ARRUDA
Exposição que
apresenta três individuais simultâneas onde as artistas mostram trabalhos que
abordam a paisagem e as relações do homem com a natureza, assunto comum em seus
percursos, além da prática da gravura combinada com outras linguagens, tais
como vídeos, fotografias, objetos e performance. A exposição inclui trabalhos
resultantes de suas pesquisas de mestrado no Departamento de Artes Plásticas da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
Multiplicação
e Miopia 2
Marco
Buti artista
e professor do Departamento de Artes plásticas da ECA-USP
O geógrafo Denis Cosgrove propôs
abordar a paisagem com os mesmos instrumentos críticos usados para a literatura
e a arte. As três artistas reunidas nesta exposição têm a paisagem como
referência, se não exclusiva, predominante. Mas não poderiam adotar a mesma
posição do pesquisador: elas se manifestam através de imagens, linguagem que
demanda meios materiais e técnicos, o fazer artístico, em suma. Impossibilidade
de controle e consequente imprevisibilidade: estas características fundamentais
da paisagem parecem ter se incorporado em boa parte das operações mobilizadas
para concretizar os trabalhos aqui apresentados.
Uma História da Arte voltada
quase exclusivamente para os resultados de pintura, escultura e suas expansões
contemporâneas, obras únicas ou tratadas como únicas, destinadas a espaços
fixos, pouco ajuda a compreender a imagem como processo, resultado provisório
de procedimentos nem sempre exclusivamente artísticos. Tampouco a noção pueril
do fazer do artista como habilidade. O campo da multiplicação sempre se apoiou
numa organização mais industrial, onde as técnicas devem funcionar, de maneira controlável. No entanto, as mesmas técnicas
podem se tornar pouco previsíveis, em função de solicitações poéticas alheias
ao uso padronizado. O que aqui encontramos nos bastidores das imagens são pensamentos
em busca do meio e processo exatos, dentre os disponíveis e possíveis. Aquele
que, espera-se, condensará a maior carga poética. A
imagem, mesmo abstrata, só pode ser resultado de operações concretas.
Esta questão tem sido descurada,
na paisagem de uma arte contemporânea cada vez mais controlada, previsível e
discursiva. Não se nota quando a peça apresentada, de acabamento impecável, é o
único resultado aceito pelo artista após múltiplas tentativas frustradas, que
talvez não poderá ser repetido. Como podem coexistir contemporaneamente meios
digitais usados de forma pouco profissional, uma indústria em extinção como os
estaleiros de Belém, mas com equipamentos adaptáveis para a impressão de
estampas de grande formato, e a corrosão de matrizes pela água do mar. A
exigência de usar precisamente a fotogravura, técnica aperfeiçoada no séc. XIX,
e raramente praticada em nossos dias, para a realização final de imagens de
fenômenos naturais compiladas na internet ou fotografadas frente aos fatos.
Cosgrove aponta a presença da
história na paisagem. Na paisagem como forma de arte, grande parte dos
significados está no confronto entre as ações humanas e os ciclos naturais. No
meio artístico brasileiro, o envolvimento com todos os aspectos da realização
artística, e não apenas com a concepção, provém de necessidades econômicas,
sociais, geopolíticas, técnicas, que se impõem à imposição abstrata das ideias
fora de lugar.
Sem contar, é claro, a simples
alegria do trabalho.
exposição 14/11/2014 a 07/02/2015
conversa com as artistas e os convidados Marco Buti
e Claudio Mubarac - 07/02/2015 11h às 13h
Oficina Cultural
Oswald de Andrade / São Paulo-SP
Entrevista para Marcio O. Fonseca
Quem é Flora Assumpção? nascimento, trabalho, família, infância, juventude, experiências fora da arte,
casamento etc
Sou mineira, mesmo vinda de família
paulista, principalmente de São Paulo capital e da baixada santista, pois nasci
e cresci no sul de Minas Gerais, em São Lourenço. Meus pais se mudaram para lá
um pouco antes de eu nascer, justamente pensando em criar filhos em cidades
saudáveis, não poluídas, com crianças correndo e brincando na rua até a noite,
com alimentação natural etc. Eu me mudei para São Paulo quando entrei na
faculdade de artes visuais, aos 17 anos. Acabei ficando, é onde moro e trabalho
principalmente, até pelas necessidades da profissão, pois o circuito de artes
visuais acontece principalmente São Paulo, no Rio, e outros grandes centros. Na
minha cidade, quase ninguém tem ideia do que eu faço. Existe sim um buraco,
muito específico e elitista, do qual as artes visuais ainda não conseguiram
sair. Felizmente, o circuito vem se expandindo e cada vez mais cidades têm seus
circuitos locais. Conheço um pouco estes outros circuitos através da
participação em salões, viagens e pelos artistas que a gente vai conhecendo por
este caminho. Com minha segunda família, que é a que a que ganhei através de
meu esposo Flávio Lamenha (que também é artista e fotográfo especializado em
documentação de arte), nos últimos anos estou conhecendo mais um circuito
nordestino (Recife, Maceió, João Pessoa), este ano mesmo fiz 2 exposições que
gostei muito de ter feito, uma no MAMAM - Recife e outra na Pinacoteca de
Maceió.
Como a arte entrou em sua vida?
O início de minha educação foi em
escola Waldorf, cuja pedagogia minha mãe pedagoga pesquisa. Então desenhei
desde muito pequena. Meu pai também desenhava muito quando eu era criança,
pintava como hobby. Na adolescência passei por um período de colecionar
quadrinhos e foi quando o desenho voltou a ganhar minha atenção. E fui praticar
num ateliê de pintura. Mas isso falando apenas das artes visuais, pois a
literatura e o cinema também eram grandes interesses do meu pai e por isso
cresci com o hábito de ler e tive contato com grandes obras do cinema, a
despeito de ter crescido numa cidade tão pequena e limitada nos quesitos
bibliotecas e cinemas. O meu trabalho é muito influenciado/inspirado por outras
artes, como literatura, arquitetura e música, além de mitologias, religiões e
ciências.
Qual foi sua formação artística?
Inicialmente aprendi a pintar a óleo,
desenho com pastel oleoso e seco, nanquim, aquarela etc com um professor
particular, antes da faculdade quando ainda morava em Minas, na época da
escola, fim do ensino médio quando me preparava para o vestibular. Fiz a
graduação em artes visuais na ECA-USP e este semestre defendi meu mestrado
também em artes visuais no mesmo Departamento de Artes Plásticas na USP, sob
orientação de Marco Buti. E alguns cursos extras que a gente vai escolhendo
pelo caminho.
Que artistas influenciam em sua obra?
Theo Jansen, Anish Kapoor, Liliana
Porter, Kate MccGwire, Andy Goldsworthy, Carlos Amorales, Regina Silveira,
Marcelo Silveira, os desenhos de mar e tempestades da Sandra
Cinto, Gabriel Dawe, Do Ho Suh, Li Hongbo, Anila Quayyun Aga, Baptiste
Debombourg, Antony Gormley, gravadores como Marco Buti, Claudio Mubarac,
Evandro Carlos Jardim, os buris de Lívio Abramo e vários outros artistas, não
apenas contemporâneos; impossível lembrar de todos.
Como você descreve seu trabalho? Falar
sobre meios utilizados e assuntos discutidos. Se pintura, óleo ou acrílica?
Iniciei minha produção
em artes por meio do desenho, da pintura e da gravura, e desde 2002 me interesso
pela extensão da escala do desenho para o espaço arquitetônico e experimento
diversos materiais, técnicas e linguagens.
As técnicas
tradicionais da arte, como pintura com têmperas ou a óleo, nanquim e gravuras
(xilogravura, ponta seca ou maneira negra e fotogravura, técnica tradicional
aprimorada no século XIX) são parte da minha prática junto com a apropriação de
materiais ou técnicas industriais cotidianos como lixas para metais e madeiras,
vinil, gravação e recorte a laser, pastas de acetato translúcido típicas de
papelarias, bijuterias e adereços de moda e vestuário, resinas, cartazes
lambe-lambe, carimbo, xerox, objetos construídos manualmente etc.
Trabalho com temáticas relacionadas ao elemento
natural e ao fantástico (sobrenatural), numa tentativa de reflexão sobre a
atuação do humano diante do mundo natural. A natureza aparece na forma de
criaturas (principalmente pequenos seres marinhos, répteis e plantas) e
fenômenos naturais (como neblinas, tempestades, furacões, mares, nuvens,
desertos, vulcões e luar, entre outros) sob uma atmosfera misteriosa, insólita
e fantástica trazida de lendas, mitos e contos populares do Brasil e do mundo.
Este é um artifício para abordar outros assuntos além do que a situação
ficcional apresentada propõe (assim como o fazem os contos de fadas e lendas).
O humano aparece nas técnicas utilizadas (muitas vezes caracterizadas por uma
artificialidade aparente) e na relação visual estabelecida entre o corpo dos
animais e o modus operandi dos fenômenos naturais com os mecanismos
(máquinas) criados pela humanidade, em alusão à ideia de inevitabilidade da
máquina artificial em copiar os mecanismos da natureza, pois todos os
princípios foram criados antes pela natureza. Até porque nada está fora da
natureza; nem o humano.
É possível viver de arte no Brasil?
Sim. Não é fácil nem estável, mas é
possível. Exige muita autonomia, tem sempre que correr atrás, fazer projetos
para editais, residências, oficinas, prêmios etc. Cada vez existem mais editais
dos governos, mais salões (privados inclusive), mais galerias de arte, mais
programas de residências artísticas, mais possibilidades de formações acadêmicas
(existe, por exemplo, o mestrado e o doutorado de artista, que considera o
conhecimento e a linguagem visuais tão válidos como a linguagem científica.
Muitos não percebem, e até criticam, até dentro do meio artístico, mas esta
aceitação na academia é um grande avanço para a nossa área do conhecimento, e no
qual, pelo que sei, o Brasil é pioneiro).
Você trabalha com vídeos, como eles são
financiados? Há mercado para eles
Trabalho pouco com vídeo e nas vezes em que o
fiz, eu mesma financiei. Mas cada vez mais abrem editais específicos de vídeos.
Pelo que eu percebo, editais de artes têm aumentado e se profissionalizado e
isso faz parte de ações dos governos (federal e estadual) dos últimos 10 anos.
Os artistas tiveram sim, graças a políticas dos governos, uma melhoria
substancial na profissionalização de seu trabalho, mas ainda têm muito que
melhorar.
A mulher e o homem estão em iguais
condições no mercado de arte?
Definitivamente não. Em números
absolutos as mulheres estão muito menos contempladas nos editais de arte e nas
galerias que representam artistas. Porém, porcentualmente, arrisco dizer que
somos no mínimo 50% da classe dos artistas ou mais, como o somos da população do
país. Acho que tem sim, um machismo aí. Machismo é como racismo e homofobia;
não dá pra dizer que não existem, inclusive nos mais mínimos detalhes e
aparecem gritantemente nos resultados práticos. Veja por exemplo, que para responder
esta pergunta, verifiquei, em números exatos, o que já sabia por vivenciar: em
galerias de São Paulo, Rio, BH, Curitiba e Recife os números, pesquisados entre
galerias dirigidas (total -maioria nesta pesquisa- ou parcialmente) por
mulheres, são absolutamente terríveis: em uma galeria de 42 artistas
representados, 13 são mulheres, em outra, de 38, as mulheres são 16, em outra
são apenas 3 mulheres em 15 artistas, em outra ainda a proporção é 7 mulheres
de um total de 30 e continua com 5 mulheres em 27, 7 em 28, 11 em 24, 12 em 27,
8 em 27, 13 em 31, 5 em 26, 4 em 15.... Se formos pesquisar entre os artistas
selecionados nos editais, a proporção homens/mulheres vai ser igual ou pior. Todos
os anos, são incontáveis os editais e prêmios onde não tem artistas mulheres
selecionadas ou elas são minoria bem escassa. E para completar o caso, que eu
considero de machismo internalizado e involuntário, há artistas mulheres (e não
são tão poucas) que, apesar de perceberem e reclamarem destes resultados que
descrevi, acreditam que as cotas para mulheres não devem existir em editais.
O que você pensa sobre os salões de
arte? Alguma sugestão para aprimorá-los?
Penso que,
como estes salões existem nas mais diversas cidades, são excelentes iniciativas
para divulgar as artes e tentar diminuir aquele buraco conceitual que existe
entre a população em geral e as artes visuais contemporâneas. Um buraco que a
escola tradicional não cobre, não ainda, não somente. Porém, o problema é
quando o próprio júri não é tão especialista em arte contemporânea quanto
deveria ser. Mas outro aspecto importante dos salões é que devem atuar como
parte da institucionalização do artista como profissional, como profissão.
Portanto, o aprimoramento vital dos salões é que todos passem a pagar por
participação do artista (o que seria um cachê de participação na exposição e
conversas com o público, atividade que muitos já propõem, nem todos remunerando
por isso) e deveriam ajudar nos custos de produção da obra, bancar custos de
transporte e de passagens e estadia dos artistas. Mais importante do que ter um
prêmio em dinheiro para 2 ou 3 artistas escolhidos, é que todos os selecionados
sejam remunerados como profissionais que estão trabalhando, como de fato estão.
(Lembremos que todos os demais envolvidos em um salão/edital de arte são
remunerados, desde o garçom que na abertura serve bebidas até o montador, o
educador e o curador etc. O que justificaria o artista não receber?). O prêmio
especial com mais verba deve existir somente se existe uma condição de
participação digna para todos os selecionados.
Outro
aprimoramento dos salões é que todos deveriam diminuir os custos de participar
dos editais, tendo inscrições online ou aceitando portfólios em CDs e
eliminando a necessidade de sedex; carta registrada, que fornece um número de
rastreio para verificar se foi entregue a encomenda, é suficiente. Para
eliminar a necessidade do sedex, basta que
quem escreve os editais organize as datas de seleção considerando o
tempo dos correios, simples, não é?!... Falta comprometimento para que as
organizações de salões e editais percebam e mudem isso. Afinal, quanto dinheiro
por ano os artistas têm de reservar para imprimir portfólios e enviar sedex com
AR??...
Além de que
ainda existem trabalhos cujas fotografias dificilmente ficam boas impressas,
por terem materialidade metálica, brilhante, transparente, cores sutis ou tudo
isso junto. Eu por exemplo tenho obras inteiramente em folhas de ouro ou de
prata e considero que consegui fotos boas quando as vejo no monitor do
computador, em cor luz, mas impressas perdem muito da materialidade da obra,
tornando impossível o júri perceber a obra pela foto impressa.
O que é necessário para um artista ser
representado por uma galeria?
Olha, para entrar numa galeria não sei.
Acho que não existe mais a necessidade de um curador indicar o artista, pelo
menos não em todas as galerias, pois os currículos e portfólios mostram se o
trabalho do artista está sendo bem aceito pelo circuito, seja em exposições de
instituições, editais, prêmios ou salões de artes, além de mostrar o fôlego que
o artista tem para produzir. Porque estar representado em uma galeria exige que
o artista tenha frequentemente objetos de arte para venda, de preferência
atendendo prazos e metas de feiras e exposições anuais que as galerias
participam e organizam. As galerias são muito importantes, pois delegam a
tarefa de vender para profissionais de venda, deixando o artista com mais tempo
para sua atividade criativa de produzir, e vender ajuda a viabilizar esta
produção. Mas o circuito está estranhamente saturado, não tem galerias para
todos os artistas, mesmo que muitas das galerias não tenham custo em ter
artistas, afinal, nem todas pagam a produção do que não vende. Acho que existe
um receio de muitas galerias em arriscar. E acho também que se exigem uma
exclusividade de representação, deveriam garantir um compromisso de venda, pois
as galerias ficam com possibilidades de lucro através de diversos artistas, mas
os artistas ficam reféns de ter vendas através de uma única galeria, que pode
ou não estar vendendo bem. A saída, enquanto isso não muda, vira buscar
galerias em diversos estados e até outros países e obter verbas de editais. Ou
seja, exige muito empreendedorismo dos artistas. Vendo isso, só posso achar que
não existe melhor nome de prêmio para artistas do que o 'PIPA - Prêmio
Investidor Profissional de Arte'... É o que os artistas que aceitam participar
deste circuito se tornam.
Rio e São Paulo, na minha opinião, são
muito afastados, há pouco intercâmbio entre os artistas, qual a sua opinião
sobre esse fato?
Acho que tens razão. O bairrismo e o
resquício de rixa histórica entre estes estados são bastante responsáveis por
esta separação. Mas os artistas, junto com as instituições e galerias, têm
procurado transpor estas barreiras e isso é muito bom, promove trocas de
saberes e experiências. Vejo cada vez mais tem artistas do Rio vindo viver um tempo
em SP e experimentar galerias e universidades daqui e vice-versa.
Quais são seus planos para o futuro?
Algo no Rio?
Os
planos são continuar na luta para me manter na profissão, que é, sim, difícil e
instável para a maioria dos artistas. Continuar meus trabalhos, meus estudos e
a busca por novos espaços e possibilidades para o circuito de arte, pois faz
tempo que já não se pode mais continuar apenas disputando os mesmos espaços. A
força que o circuito alternativo tem ganhado faz parte dessa vontade dos
artistas de não se limitarem aos editais que os governos e instituições
oferecem ou às feiras e exposições que as galerias realizam, que além de não
terem viabilidade de abarcar todos os artistas, são direcionados para públicos
já inseridos neste circuito. A maior veiculação da arte é tarefa que os
artistas estão tomando para si, até como estratégias de atuação para
sobrevivência da carreira e por entenderem as capacidades das artes como
transformadoras da sociedade.
Tenho
intenção de conhecer e participar mais do circuito do Rio, sim, e para breve,
tenho alguns projetos, mas ainda sem nada concreto.
São
Paulo, 09 de novembro de 2014
Entrevista para a Revista Graciliano - Alagoas
http://graciliano.tnh1.com.br/2014/05/14/olharparaver/
Olhar para ver
Entrevista para Revista Graciliano, por Francisco
Ribeiro
A artista visual Flora Assumpção está à procura de
olhares interessados em ver o que está além. “Ver dedicado a ver”, disse a
mineira, que expõe suas obras pela primeira vez em Maceió, até o dia 06 de
junho, na Pinacoteca Universitária, galeria de arte mantida pela Universidade
Federal de Alagoas. “A partir do momento que nos interessamos em ver tudo o que
está visível, descobrimos também a história por trás daquele objeto”, pontua.
Miragens é o título da mostra que reúne 37 peças,
criadas em diferentes linguagens e suportes. O material exposto contempla uma
videoinstalação, peças em resina e metal, dois livros-objetos em fotografias,
três séries de fotogravuras e desenhos gravados a laser sobre
espelhos. Assim como uma alquimista das artes plásticas, através do seu
olhar, Flora converte em altares, jóias, fósseis e painéis o que antes era
apenas correntes, pratas, espelhos e fotografias.
A artista empresta a sua visão de mundo aos que
querem vê o mundo como ela o interpreta. “Acredito que o conhecimento visual é
uma forma de linguagem não verbalizada”, explica. Flora também busca
contextualizar seus trabalhos resgatando elementos mitológicos de culturas
antepassadas. É nesse espaço que percebemos as referências ao universo onírico
de Jorge Luís Borges e ao realismo fantástico de Gabriel García Márquez, como
pode ser visto na série Animais Simbióticos.
Inclinada, logo no início da sua carreira, para o
desenho e pintura, Flora começou então a investigar outras técnicas que lhe
possibilitasse traduzir seus conceitos estéticos. Foi assim que passou a
extrair a poesia contida nas formas, nas cores e nas imagens de diferentes
tipos de materiais. Suas criações cresceram em experimentação e em dimensão,
como, por exemplo, na videoinstalação Vertigem do Mar. Nela, o espectador é
convidado a mergulhar na própria obra.
Flora já expôs no Paço das Artes, no CCSP, no
MAC-USP, no Instituto Tomie Ohtake, na Galeria Emma Thomas e na Galeria Gravura
Brasileira. Em 2007, recebeu o Prêmio Destaque do Júri no 16° Encontro de Artes
Plásticas de Atibaia e em 2012 participou do 10° Salão Elke Hering,
Blumenau-SC, no qual foi contemplada com o 1° Prêmio. No ano passado, recebeu o
Prêmio ArteRef de Arte Contemporânea e foi Selecionada pelo Edital SESI de
Artes Visuais.
Em entrevista à Graciliano, a artista que busca despertar a imaginação dos visitantes – “uma
capacidade humana tão abandonada na atualidade ocidental”, como ressalta o
texto curatorial –, fala de Miragens e das suas descobertas.
GRACILIANO – Você iniciou sua produção em artes por
meio do desenho e da pintura. Em seguida, passou a flertar também com outros
tipos de materiais, técnicas e linguagens. Como se deu esse processo?
FLORA ASSUMPÇÃO - Deu-se
bem cedo. Eu estudei pintura durante um ano, por volta dos 16 anos, antes de entrar
na faculdade. E ao ingressar na universidade, eu parei de pintar, apesar de
gostar muito de cor, de fazer tintas; entendo bastante sobre a teoria de cor. A
minha relação com o desenho e a pintura foi muito importante. Eu só fui para
gravura porque era uma coisa nova, talvez. A princípio, não conhecia nada sobre
essa técnica. Naquela época, pensava que detestava escultura, aí eu escolhi
gravura para o meu bacharelado.
GRACILIANO – O elemento natural e o fantástico
(sobrenatural) são temáticas bastantes presentes em suas obras. Quais reflexões
você busca lançar através delas?
FLORA ASSUMPÇÃO - A
reflexão é que o homem precisa – e esse também é o grande desafio do século 21
– aprender a imitar a natureza. E a prova disso é o lixo. A natureza não produz
resíduo. As pessoas acham que colocando a sacolinha de lixo para fora de casa,
elas já se livraram do problema. Nós comemos peixes que estão contaminados com
plásticos espalhados pelos oceanos. Nós precisamos imitar o mecanismo da
natureza nisso. Na natureza tudo o que uma espécie descarta, a outra usa. E nós
somos o câncer no meio disso, somos o descompasso. A água tem memória, segundo
muitos estudiosos. Você pode ter uma água destilada que sempre foi pura e uma
destilada do esgoto. Ambas quimicamente são idênticas. Quando você analisa as
duas amostras num laboratório, elas são diferentes e ninguém sabe explicar o
por que. E é isso que eles chamam de memória da água.
GRACILIANO – Miragens tem a intenção de provocar a
imaginação e a ficção dos visitantes, capacidades tão abandonadas na atualidade
ocidental. De que forma você tenta resgatar essa sensibilidade?
FLORA ASSUMPÇÃO - Quando
o trabalho exige que você tenha calma, olhe com cuidado, queira ver os
reflexos; ou seja, ter tempo para perceber as coisas que na correria do
cotidiano não nos damos conta. Ver dedicado a ver. A partir do momento que nos
interessamos em ver tudo o que está visível, descobrimos também a história por
trás daquele objeto. Não faço um trabalho para dizer que o homem não precisa
criar lixo, ou para contar história de Borges, ou da arquitetura pré-colombiana.
Percebo, anos depois, a relação que há entre eles. Acredito que o conhecimento
visual é uma forma de linguagem não verbalizada. E é isso o que muitos artistas
contemporâneos esquecem. Somos acusados e torturados por uma pergunta que
odeio: O que seu trabalho tem haver com a contemporaneidade? Então, os artistas
ficam procurando os problemas do mundo para cuidar através do trabalho deles e
esquecem que existe uma beleza além disso.
GRACILIANO – Como começou sua relação com as artes visuais?
FLORA ASSUMPÇÃO - Meu
pai gosta e desenha muito bem. Eu sempre desenhei muito desde os 3 anos. Tem
aquele desenho que vem desde o ombro da criança, passa para o cotovelo, para o
pulso e fica uma coisa muito mais controlada. Minha mãe sempre deu lápis e
papel em casa e o interesse vem daí. Na época da escola eu não imaginava que
iria fazer nada com artes. Pensei em estudar História, para ser historiadora.
Após o ensino médio, com cursinhos pré-vestibulares que aplicavam provas todas
as semanas, eu fiquei cansada e pensei: Vou descansar, irei fazer Artes
Plásticas e, depois, História (risos). E logo no primeiro ano da faculdade,
percebi que já não queria História. Sem querer foi à escolha certa.
GRACILIANO – Alguns trabalhos podem ser vistos de cima,
outros convidam o espectador a aproximar-se o máximo que puder para enxergar os
detalhes, enquanto a instalação Vertigem do Mar nos insere na própria obra.
Essa ideia de distância e proximidade do olhar do visitante foi proposital? O
que há nesse gesto?
FLORA ASSUMPÇÃO - É
proposital. O que tem nesse gesto é uma pergunta mais difícil de responder, mas
eu acho que possui uma relação com a ideia que eu quero passar na obra. Porque,
por exemplo, se for uma joia, colocada numa espécie de altar, deve ser pequena.
Se for para mostrar a nossa pequenez humana diante da natureza ou da arquitetura
a obra deve ser maior. Tem essa necessidade. Então, tem um pouco da intenção
mesmo, com o que eu quero dizer.
GRACILIANO – O título da exposição é uma referência
aos aspectos de refrações, transparência e brilho; e também uma metáfora
inevitável para as ilusões humanas. Gostaria que você falasse mais sobre isso.
FLORA ASSUMPÇÃO - Tem
algo meio autobiográfico. Depois dos meus dois primeiros trabalhos feitos com a
escala da arquitetura, eu parti para desenhar os corrimões de ônibus.
Delimitava todo o espaço de ônibus só com os corrimões, que são estruturas
tubulares. E dessas estruturas, que aliavam o movimento orgânico ao de máquina,
eu cheguei às serpentes, às araucárias etc. A dificuldade de o orgânico ser
aceito no tubo do corredor de ônibus é que ele é um tubo de uma máquina. Então,
agora eu percebo, já estava discutindo tais questões presentes nesta exposição
lá em 2004. Acho que a arte verdadeira acontece desse jeito. A miragem reside
nisso: no conhecimento que está lá, sem você saber que ele já está lá. São as
nossas vivências que trazemos para o trabalho. Percebo também que a relação
entre o homem e a natureza – discutida na mostra – também está no homem com o
outro. As lutas de poder, desde as grandes até as pequenas, muitas vezes, não
declaradas. O poder sempre gera medo ou desconfiança. Alguém sempre está sendo
subjugado pelo poder. Então, em Miragens, eu falo um pouco sobre essas ilusões.
São ilusões porque são fugazes. Assim como tudo na vida é.
GRACILIANO – O texto curatorial diz que as obras
expostas dialogam com a literatura fantástica de autores como Jorge Luís
Borges, Gabriel Garcia Márquez e Júlio Cortázar. De que forma as artes em geral
servem como referência para você?
FLORA ASSUMPÇÃO - Eu
gosto muito de música. Não entendo nada de teoria musical. Tenho uma irmã
cantora lírica, meu pai canta em coral também. A música faz parte da minha
vida. Eu produzo ouvindo música. Tenho uma série dessas correntes que foi batizada
de Milton e Mercedes, em referência a canção “Sueño con Serpientes”, do Milton
Nascimento com a Mercedes Sosa. Nela, Milton recorda um sonho com serpentes
largas e transparentes, e ao matá-las aparecem outras maiores. Isso é a vida
também. Você vence uma batalha, tem outra atrás. Eu gosto muito de artes
plásticas, tem vários artistas, tanto da atualidade, como os antigos, que eu
gosto bastante. Se eu começar a citá-los aqui, corro o risco de ser injusta e
me esquecer de alguns nomes. Gosto muito de literatura, esses trabalhos da
instalação e das gravuras vêm desse conto, que se chama “O Mar do tempo
perdido”, do García Márquez. Queria ler mais do que o meu tempo permite hoje.
Conheça mais o trabalho de Flora Assumpção através
do link: http://goo.gl/ceawMr
SERVIÇO
O quê: Exposição MIRAGENS, de Flora Assumpção
Onde: Pinacoteca Universitária, Praça Sinimbú, s/n, Centro
Visitação: até 06 de junho; seg. e qui., das 08h às 20h; ter., qua. e sex., das 08h às 18h.
Aberto ao público.
Mais informações: (82) 3214-1545.
O quê: Exposição MIRAGENS, de Flora Assumpção
Onde: Pinacoteca Universitária, Praça Sinimbú, s/n, Centro
Visitação: até 06 de junho; seg. e qui., das 08h às 20h; ter., qua. e sex., das 08h às 18h.
Aberto ao público.
Mais informações: (82) 3214-1545.
2013
Prêmio ARTE Ref Entrevista com a artista da semana
http://arteref.com/artista-da-semana/flora-assumpcao/
Flora Assumpção: a vencedora do Prêmio Arte|Ref
A artista Flora Assumpção foi selecionada como vencedora da primeira edição do prêmio Arte|Ref de Arte Contemporânea. Na seguinte entrevista com a artista ela conta um pouco de sua trajetória, produção e sua relação com a arte. Artista graduada em artes visuais no Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP, com especialização em gravura. Iniciou sua produção em artes por meio do desenho e da pintura. Desde 2002 se interessa pela extensão da escala do desenho para o espaço arquitetônico e experimenta diversos materiais, técnicas e linguagens. Mantém reflexão e prática direcionadas à pesquisa em desenho e em ocupação de superfícies bidimensionais e objetos e, paralelamente, desenvolve projetos de instalações para arquiteturas específicas e de instalações para espaços expositivos, explorando a relação do desenho com escalas arquitetônicas para a criação de ambientes ficcionais com a intenção de provocar experiências imersivas de caráter poético.
Veja o trabalho premiado: Piscina I, 2012
Pequena biografia:
Sou de família paulista, mas sou mineira, nasci e cresci em Minas Gerais, numa cidade sem nenhuma atividade ou circuito de arte contemporânea e então o que conheci de artes antes da faculdade foi com meus pais. Estudei artes plásticas na USP e desde a graduação tenho mostrado meus trabalhos e intervenções de arte em diversas exposições em salões e galerias.
Fale um pouco sobre o seu trabalho (técnicas usadas, material):
Comecei minha prática em artes visuais através do desenho e da pintura, seguindo para gravura (xilo e metal, principalmente), depois experimentei instalações e intervenções e, por fim, videos e objetos tridimensionais. Considero que a escolha dos materiais e técnicas depende da ideia da obra, mas que técnica é conhecimento intelectual tanto quanto o conceito da obra e que estes são interligados, invariavelmente.
Quais as maiores influências para a criação de suas obras? (movimentos, artistas, música, viagens, assuntos, temas, poética)
Várias da literatura, como Jorge Luis Borges, Dostoievski, Guimarães Rosa, um conto do Eça de Queiroz chamado ‘O Mandarim’, Orham Pamuk acho genial com o ‘Meu Nome é Vermelho’ e me inspira muito, J.M. Coetzee, etc.
Adoro os filmes do Hayao Miyazaki, tanto pela qualidade gráfica como pela poética do enredo. Gosto de desenho e ilustração, como Escher, Moebius, e outros.
Música é essencial, muito presente na minha vida. Gosto de vários estilos e sempre prefiro as mais densas, pesadas e tristes (mas eu não me entristeço ouvindo-as)… Gosto de Lhasa de Sela, Lila Downs, Madredeus, Bethânia, Elis e Ney. Gosto de música erudita e clássica, mas sem ser grande conhecedora, adoro os Concertos de Brandenburgo de Bach. Mas também adoro um bom rock, como Led Zeppelin e vários antigos e alguns mais recentes. Gosto de alguns pops, algum world music, samba, músicas regionais etc…
Em música e artes visuais, penso muito numa frase do Iberê Camargo: “Nunca toquei a vida com a ponta dos dedos”. Identifico-me profundamente com isto. Acho que não compreendo músicas ou artes visuais levianas, descompromissadas.
Viajar é condição extremamente conectada à poética de minha obra, necessito ver naturezas diferentes, conforme suas localizações no globo terrestre. Ainda preciso dedicar tempo para conhecer muito mais lugares do que os que conheci.
Quando e como começou o seu interesse pela arte?
Quando criança já tinha giz de cera na mão desde os 3 anos, meus pais dão a muita abertura pra isso. Meu pai desenhava muito bem, estudei em escola de pedagogia Waldorf, então fiz todo tipo de experiências manuais: desenho, aquarela, modelagem etc. Acho que nunca parei de desenhar na infância e na adolescência quando tive de escolher uma profissão (época do vestibular), optei por arte, mesmo que só alguns anos depois eu tenha entendido um pouco melhor o que significa ser artista hoje.
Quais artistas na sua opinião estão se destacando no cenário nacional e/ou internacional atualmente?
Bom, os artistas que se destacam sãos os que estão aparecendo no circuito e no mercado, mas não necessariamente são os que de fato têm trabalhos bons, relevantes. Existe muito modismo neste meio e muitas obras são copiadas levianamente. O interesse que motiva a criação de uma obra de arte tem de ser genuíno. Tudo que é copiado perde força conceitual e poética, perde beleza e causa a sensação de descuido no fazer, que é a sensação nítida de que o próprio artista não sabe tão bem o que está fazendo. Isso é muito perigoso e resulta em auto-sabotagem: torna a arte feita hoje, que é a contemporânea, de muito mais difícil compreensão para o público leigo e até para os profissionais do meio artístico. Vira uma ‘bola de neve’ e a arte fica mais e mais elitista.
Gosto de alguns dentre nomes mais consolidados e os considero relevantes, tais como Anish Kapoor, Regina Silveira, Liliana Porter, Takashi Kuribayashi, Leandro Erlich, Marco Buti, Sandra Cinto, Ana Tavares, Carlos Amorales, Kate MccGwire, Richard Serra, entre outros. Mas tem muita gente mais jovem no cenário artístico fazendo trabalhos muito bons.
Como você definiria a arte contemporânea?
Acho que a definição de arte contemporânea não pode ser muito diversa da definição de arte. A diferença apenas está na sua existência mais recente. Claro que isso implica em novas tecnologias e contextos mundiais, mas, para mim, arte ainda continua sendo uma modalidade específica do fazer humano, como diz o Argan. Se for mais diferente do que isso, é algo diverso de arte. Este é mais um dos perigos nebulosos em que as pessoas envolvidas com artes têm mergulhado. Não podemos nos esquecer de que muitas supostas novidades de categorias artísticas e conceitos da dita arte contemporânea não passam de desconhecimento nosso do que eram as obras e modalidades de arte do passado e de como as pessoas se relacionavam com a arte do passado. Por exemplo, ‘arte e vida’, ‘arte e política’, ‘arte e ciência’ etc são questões supostamente atribuídas às artes contemporâneas, mas que existem há séculos. A maneira contemporânea de vivenciar arte, política e ciência é que é diferente, mas a relação sempre existiu, a arte do passado nada tinha de alienada das sociedades em que foram criadas.
Conheça todos os trabalhos da artista acessando o site.
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2011
DESENHADORA
por Lucas Oliveira
Ninguém
desenha pelo desenho. (Vilanova Artigas)
Em
sua origem, o termo desenho contenta o que se imprime de uma ideia ou
gesto sobre uma superfície. O que resulta plasticamente deste gesto - o que se
dá a ver - é a conformação da ideia como uma experiência que se insinua aos
olhos. O desenho é a lacuna entre o que o olhar entende, o que o gesto
conquista e um esforço criativo. Como prática, está relacionado a uma noção de
desígnio, de intenção e propósito. O corpo, munido de uma ferramenta, se
esforça até alcançar a força e a dimensão desejadas para riscar ou arriscar,
com doses de sensibilidade e cálculo. O disegnatore reorganiza o próprio
corpo, mas submete também a percepção de quem trava contato com o desenho. Aí,
para se fazer notado, o desenho convida à apreciação o olhar, o corpo e os
sentidos. Ampliam-se as possibilidades do termo, que poderá ser entendido como
a proposição de uma experiência imersiva em si, mas também como o criador de um
espaço de invenção, descoberta e surpresa conjunta.
O conjunto de trabalhos que compõe a
exposição Encapelado propõe a descoberta dos desígnios da artista Flora
Assumpção. Munida de uma investigação sobre qualidades serpentescas, máquinas
fabulosas e fenômenos naturais, a artista configura uma atmosfera ficcional que
mescla a exploração de desenhos em escala arquitetônica, de imagens ampliadas,
famintas, ou experiências oníricas e intimistas adaptadas para a realidade do
espaço expositivo. Não se aflija, não se assuste. Antes que se perceba, corpo e
espaço colidirão - não sem algum limite de conforto. Farão de si mecanismos de
descoberta mútua, numa tensão entre atração, vulnerabilidade e repulsa, onde o
primeiro se submete a uma experiência física e subjetiva de imersão frente ao
fantástico. O desenho se revelará objeto de um cativeiro imaginário, sujeito
suspeitoso, à espreita. É um jogo para dois.
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GOETHE INSTITUT STUDIO VISITS________________________
http://blog.goethe.de/studiovisits/archives/20-Of-snakes,-mythology-and-Aby-Warburg-studio-visit-with-Flora-Assumpco.html#extended
OF SNAKES, MYTHOLOGY AND ABY WARBURG: STUDIO VISITS WITH FLORA ASSUMPÇÃO
By STEFANIE HESSLER
It is a hot São
Paulo spring day when I visit Flora Assumpção in her studio. I had seen her
work in August 2010 at Galeria Emma Thomas and Baró in São Paulo, where I went
for an event titled “The Creators Project“. In the midst of the flurry of open
bar, concerts and new media projects, during a calm moment outside in the
patio, I saw her giant silver snake on the wall surrounding the outside of the
gallery space. From inside the gallery, visitors could already see it through
the large glass facade opening up to the patio of the industrial building.
During my research, I found out that Flora was the artist behind this piece and
I wanted to meet her to know more about her work. So here I am at her studio,
which smells of the delicious cake Flora is baking.
She explains how
she came to working with the snakes as one of her major visual forms and
distinctive mark and how this reptile‘s symbolic and mythological attributions
are connected with that decision. Flora used to draw the hand rails of São
Paulo busses and how they wind like snakes through the public transport systems
of this city and any other city in the world. The serpent is perceived as the
sinful creature who offered Eve the forbidden fruit and led to mankind‘s
expulsion from paradise, but also as mythological being. It was held sacred in
the ancient world and believed to be immortal due to its moulting and the
capacity to regrow its skin, making it the sign of pharmacies and healing
today, and perceived as a clever, ambiguous, deceitful creature. Flora explains
that her use of this imagery is as rich and pointing to several subjects and
topics that are as multifaceted as the meanings and significations this reptile
stands for.
She uses this
metaphor to conceive intriguing photographs that leave the viewer in the
uncertain of whether they have been digitally altered and how the pictures come
into being. I am puzzled and amazed when Flora pulls out some old necklaces she
has inherited from her grandmother or bought on flea markets and explains that
these are the originals for the photographs she takes. I marvel at these common
and quite plain objects, that obviously open up for a much greater visual
potential than it may seem. Between a shiny consumer object and containing a
supernatural and phantasmatic twist, they are intriguing visual expressions
between the abstract and the very concrete.
In her outdoor
pieces, the snakes are installed on walls without any backdrop other than the
subsurface they are placed on. This deprives them of their pictorial character,
becoming almost three dimensional invaders of the real world, claiming and
demanding the visual attention of anyone near them. In some cases they even
resemble sculptures rather than photographs, leaving the viewer in surprise
when coming closer and realising that it was due to the glass wall in front of
them that the photographs appeared to be sculptural entities. In a beautiful
contrast to them stand Flora‘s simple line charcoal drawings, and her artist
books that fluctuate between art objects and sketch-book, and which string
together series of colour-manipulated photographs.
The mythos of the
snake has manifold references in art history and mythology: Hercules, the Greek
hero who stands for strength and courage, is said to have strangled the snakes
that his mother Hera sent to the children‘s room. German art historian and
cultural theorist Aby Warburg (1866-1929) was fascinated by the Native American
Hopi who made images and pictures of snakes, allowing them to create a mental
distance to the creatures and thereby overcome their deadly fears, so they
could even take the poisonous reptiles into their mouth. Warburg was fascinated
with the power of symbols and the field of tension between the human fear of
demons and how they - by making images and symbols of them - managed to get
over them. It is an interesting turn to think of how Flora blows up the
photographs of something as trivial as a silver chain necklace to the size of a
menacing snake, changing its materiality, meaning and thereby also its potency.
http://www.colheradacultural.com.br/content/20110214084635.000.2-N.php
ENTREVISTA PARA SITE ‘COLHERADA CULTURAL’
10/fev/2011
1 - Como é para você expor uma individual pela
primeira vez na cidade de São Paulo? Você acha que tem alguma diferença para as
outras cidades do país?
Sim, pois é sem dúvida
alguma, a cidade onde o circuito de arte é mais intenso, diversificado e
atualizado. É, certamente, a cidade onde o trabalho tem mais repercussão.
2 - Porque a escolha da palavra Encapelado para intitular a exposição?
Encapelado é o título
que dei para uma das obras expostas e se tornou também o título da exposição
porque unifica as temáticas abordadas
(elementos naturais ar e água às serpentes sobrenaturais). A palavra Encapelado tem 3 referências:
- de um
mar em tempestade, revolto dize-se ‘mar encapelado’ ou ‘mar cavado’.
- capelo é
a palavra que alude ao formato da cabeça da naja, também conhecida como
cobra-de-capelo. Por ‘naja encapelada’, entende-se uma naja em situação de
bote, pronta para atacar.
- sonoramente, em português, encapelado alude à palavra capela e,
conseqüentemente, aos seus significados de templo, local religioso, de
contemplação de algo maior do que nós mesmos.
Mas quero lembrar que minha exposição tem um segundo título: (ou
Contenções) - que se refere a elementos contidos/retidos/ congelados/ parados
em seus movimentos e daí surge uma pergunta: o que nos contém, detém, pára,
retém?... Todos os trabalhos têm a ficção de algo que não podemos
controlar, de uma entidade natural misteriosa cuja vontade
desconhecemos, o que, em geral, nos provoca receio. Entendo como uma
metáfora ou alusão a diversas situações às quais um
indivíduo inevitavelmente vivencia.
3 - Você não se prende a apenas uma forma de
arte, você “brinca” com vídeos, livros, instalações e obras arquitetônicas.
Você acha que isso traz mais diversidade a sua arte? Por quê?
Acho que a diversidade de
que você fala já existe antes das diferenças entre as técnicas utilizadas. As
técnicas são escolhidas em função da idéia, do pensamento visual que as obras
expressam/representam. As idéias são amplas e sutis; e a variedade dos
materiais, assim como a escala do trabalho, alude (evidencia e/ou representa) a
estas sutilezas e peculiaridades.
4 - Por que a escolha de serpentes para ilustrar
suas obras?
A serpente foi uma
conseqüência, um caminho natural, um percurso visual que se tornou,
inevitavelmente e a primeira vista, para quem não conhece a trajetória dos meus
trabalhos, menos importante diante da força que tem a serpente enquanto
símbolo. Por quase 5 anos eu realizei desenhos cuja espacialidade era criada
pela estrutura dos corrimões dos ônibus circulares de São Paulo. Eram desenhos,
ao mesmo tempo, duros e orgânicos. Marco Buti, Evandro Carlos Jardim e Cláudio
Mubarac, meus professores, colocaram esta organicidade em questão e me
presentearam, em nossas conversas de orientação, com desafios de desenho. Então
eu passei a desenhar árvores sinuosas, araucárias, ondas de mar, serpentes e
nuvens, enquanto também experimentava desenhar em escalas arquitetônicas em
diversos projetos de intervenção. Em minha banca de conclusão da graduação na
USP, apresentei um livro de gravuras reunindo imagens destes temas e o qual
intitulei de “dos corrimões das serpentes
das nuvens do mar”, Mubarac fez uma longa consideração sobre a Serpente
Emplumada, divindade serpente dos maias e astecas, muito complexa e rica em
significados, que é serpente e pássaro, a água e o ar, deus bélico e da
fertilidade, tudo em uma só divindade. Neste momento meu interesse por
lendas/mitologias/folclores envolvendo serpentes já estava bastante adiantado e
intensifiquei minha pesquisa, inclusive viajando ao México para estudar in loco esta entidade misteriosa. A
serpente é um ser muito rico em significados para diversas culturas do mundo.
Também por isso ela se tornou um símbolo facilmente detectável em minhas obras
e fica mais difícil perceber que meu trabalho fala de muitas outras temáticas
através da serpente.
5 - O sobrenatural e a atmosfera fantástica são
recorrentes em suas obras. Você sempre se interessou sobre esses assuntos? E
quando eles foram realmente incorporados em seus trabalhos?
Estes assuntos estiveram
presentes desde cedo em minha vida, por influência de meus pais, que sempre me
contaram estórias misteriosas antes de dormir. Minha mãe é pedagoga e dá muita
importância à tradição oral e aos contos-de-fada para a formação de uma
criança. E meu pai me apresentou a boa literatura, as artes, o cinema e a
música, sempre me incentivando com redações e poemas, desenhos e apresentações
de teatro na escola. Considero que estas experiências me deixaram bastante
conectada com isto que chamo de ‘lado mais poético da vida’ e que se refere
mais ao conhecimento cognitivo. A preferência pelo sobrenatural e o fantástico
foi algo que desenvolvi durante minha descoberta do desenho, conforme meus
trabalhos foram tomando corpo. Acho que estes elementos estão presentes há mais
tempo, mas foram de fato identificados, reconhecidos e assumidos de uma forma
coesa somente há pouco mais de um ano.
6 - Você é natural de Minas Gerais, quais são os
artistas de lá que você mais admira?
Confesso que conheço pouco os artistas mineiros
contemporâneos, mas admiro demais a Ana Maria Tavares, a artista de quem sou
assistente e que foi minha professora na faculdade (ECA-USP), apesar de que
durante minha graduação tive pouco contato tanto com a artista como com sua produção artística.
Quando me formei e iniciei meu trabalho com a Ana é que pude conhecer toda a
sua produção e, inclusive, perceber o quanto minha obra dialoga com a dela e
também o quanto difere.
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FABIANO CALIXTO SOBRE A OBRA DE FLORA ASSUMPÇÃO
2011
Verde azul amarelo rosa e branco
¨ ária: vivo, volve: alvo em alta alvura: entra,
penetra, espelha mil ilhas nas pupilas: orbita como quem espalha o olho pelo
espelho: adentra: pés, mãos, unhas, articulações: caminha: olhos, lábios: presságio
epifania: duplo doublet: medo à
capela. Solta, desata, amarra & agarra. Terra nos olhos: planeta água –
dinâmica. A serpente que cria, a serpente que cala. Verde azul amarelo rosa e
branco. Movimenta-se – infinito círculo: nos seios dos séculos os ciclos:
ciclos: ciclos: Bemsemsomsolsalmal: Céucemcomcordordarmar: urgência-regência – ao movimento. Mo-ver-se:
onde: areia concretiça: a arquitetura faz frente e afronta ao front da mente: que responde ao inventar
um épico Blake a encher o estômago da neblina faminta que povoa a floresta: uma
outra: uns: outros olhos abertos: anarquitetura: textura: poéticas. Ainda: olho
do furacão. Ou: um ensaio sobre a modulação, ossatura, simetria, tessitura: casamentos
perfeitos: rimas que embebedam as línguas: que se enxugam-excitam umas às
outras: como serpentes aninhadas: alojadas no jogo sexo-semântico: céu & hell. A língua: a língua: livro de som
& saliva: cedo ou tarde: (de Vênus ou Marte): das profundezas da alma da
carne: à capela: a poesia (vinho da vida) desabotoará o vestido do tempo: deixando
escapar a libido eterna: fazendo a chuva cair na terra: extrai corais: extrai
pérolas: & com a ira das íris d’Osíris: arco-íris. Moenda de escamas
geométrica: sob um céu opala que (a todos os olhos): mandala. Ou: diagramas de
cacos de vidro: à saída revolta: encapelado. A serpente sedenta sorve o céu: o
céu cede, sedento, à serpente: sem cessar, a serpente sorve o céu que a serve:
o céu que serve cede à sede da serpente que o sorve: a serpente sedenta sorve o
céu. O bote de uma ária no último músculo do crepúsculo: serpentário:
serpentária:
Fabiano
Calixto
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FRANCESCA CRICELLI a respeito da obra
de FLORA ASSUMPÇÃO
Piscina, 2011)
The dashing
emptiness
blues out
the infinite
crossing lines.
Two souls
stand parallel
on the verge
of wholeness.
(Covil das Serpentes Reencarnadas,
2011)
Kundalini
Certeira saliva sussurra silábica ressalta mordaz minha voz amordaça.
Certeira saliva sussurra silábica ressalta mordaz minha voz amordaça.
Meus dentes marfins.
(Colisão I e II, 2011)
falsa no tempo
a fala falha
[sentimento descontínuo]
a ferida afunda
fenda na alma
[sentimento descontínuo]
a força do falso
fura a carne
farta e renhida.
a fala falha
[sentimento descontínuo]
a ferida afunda
fenda na alma
[sentimento descontínuo]
a força do falso
fura a carne
farta e renhida.
[fortress]
A
imobilidade da carne
A
imobilidade da carne
A
silencia
palavra
se
se
pensamentos -
furacões
pesam centelhas
a fagulha falha
pesam centelhas
a fagulha falha
(Neblina: o amanhecer e a noite, 2008-2010)
Dorato
riflette il sole
i
fili sulle finestre
illuminano l’assenza.
illuminano l’assenza.
----
(tradução) ----
Dourado reflete o sol
os fios nas frestas
iluminam a ausência
iluminam a ausência
____________________
2010
DIÁLOGO COM MARCO BUTI
FLORA ASSUMPÇÃO
Novembro de 2009/ Abril de 2010
“Só é bom
professor de arte quem é bom artista, porque além das linguagens da arte ele
ensina [...] a dedicação, a capacidade de concentração, os valores éticos. Até
seu gesto ensina...”
[Regina
Silveira. Fragmento de depoimento da artista citado em ‘Regina Silveira – O
Olho e o Lugar’.]
Marco Buti, artista e,
desde 1996, professor da Universidade de São Paulo (USP). Durante 5 anos atuou
como chefe do Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP, além de aulas
ministradas e de alunos orientados na graduação e na pós-graduação.
Em 2008 apresentou sua tese
de livre-docência “8.03. a Arte na universidade, a Universidade na Arte” no
mesmo departamento, na qual analisa pontualmente diversas situações das artes
inseridas no ambiente acadêmico e científico das universidades.
Na posição de artista
graduada por esta escola, orientada por Marco Buti e reconhecendo-me como
personagem participante de muitas destas situações que compõem a formação em
artes visuais na universidade, inicio um breve diálogo com (insisto, ainda) meu
professor orientador.
1) Logo no início de
sua tese você detecta muito precisamente uma das raízes da problemática da arte
inserida no contexto da universidade; você mostra que o problema é anterior à
universidade, quando constata, através do resultado das provas de aptidão para
o curso de artes visuais (divididas em 2 partes: uma teórica sobre história e
crítica de arte e outra de desenho) que o conhecimento teórico sobre arte dos
candidatos é limitado aos grandes ícones do modernismo brasileiro (Tarsila do
Amaral), do cubismo (Picasso) e do Impressionismo (Monet) e que o pensamento
visual dos mesmos é determinado pelo universo visual de videogames, quadrinhos,
ilustrações de baixo nível e publicidade e logotipos. Afinal, se a escola de
ensino fundamental e médio, principalmente a pública, desse alguma referência
do que sejam as artes (e não apenas as visuais, mas também a música, a dança ou
o teatro), os candidatos saberiam um pouco mais sobre as possibilidades da
carreira que estão escolhendo. É corriqueira a justificativa da escolha do
curso de artes visuais pelo gosto por animações, quadrinhos ou ilustrações e
outros desenhos figurativos. Não que estes não possam ser motivos legítimos
para a escolha do curso, mas estes evidenciam o apreço pela representação
enquanto verossimilhança, pela dificuldade e qualidade técnicas superadas. E ,
acredito, é na valorização desta idéia de representação que consiste boa parte do
equívoco do leigo sobre o que seja arte (contemporânea ou não) e suas
necessidades enquanto curso na universidade e enquanto carreira... E este
leigo, conforme você diz, é também o cientista, o professor titular que vai
definir a verba e a infra-estrutura que um curso de artes pode ter... E ainda
este leigo é aquele que vai analisar os resultados dos departamentos de arte
nas universidades. É um efeito bola de
neve. Como mudar isso? Até que esta
mudança se introduza nas escolas, a universidade vai precisar continuar com as
medidas paliativas caso a caso...
Marco Buti - A única
possibilidade que vejo para mudar isso é a introdução de fato do ensino da arte
no ensino básico e médio, ou seja, com professores competentes (muito poucos
até agora), carga horária e espaços adequados. Mas me pergunto se isso pode
mudar, ou até que ponto. Não esqueçamos o papel de cada aluno em tudo isso.
Creio que a escola deva oferecer uma informação mais completa sobre os ramos do
conhecimento, mas cada estudante vai progressivamente fazendo suas escolhas, e
muito do que se aprendeu provisoriamente é deixado de lado. Nós fizemos uma
série de opções pela arte, e somos tão leigos em ciências, por exemplo, como a
maioria dos cientistas em arte. Admitamos que a arte tenda a ser majoritariamente
concebida como um entretenimento - a indústria cultural sabe disso muito bem.
Não é nada comum se entender que pode ser um meio de conhecimento do mundo.
Pode ser uma grande abertura, mas talvez não para todos. Creio que cada um deve
ter a capacidade de escolher, e para isso, a arte deveria ser bem apresentada
mais cedo, a todos, antes da opção universitária. Devemos respeitar a falta de
interesse por algo que nos apaixona.
Mas a questão é muito complexa, e tentarei não
simplificar. Por outro lado, é quase impossível, hoje, não ter contato algum com
a arte. Através justamente de “videogames, quadrinhos, ilustrações de baixo
nível e publicidade e logotipos”. Ou através de dvd’s, cd’s, mp3, etc. Há
pessoas que parecem passar o dia ouvindo música em fones de ouvido (mas que
música?). Existe mesmo uma prática
ingênua de artes visuais constante: retratos e auto-retratos com celulares
ou máquinas digitais, filmagens. Não quero tomar posições a priori nem pretender falar em nome dos outros. Em todo esse
universo visual podemos encontrar obras de arte legítimas, embora a imensa
maioria seja mais do que discutível, mesmo mantendo alguma ligação com o que
entendemos por arte. Suponho que o senso crítico dos espectadores tende a ser
baixo, e pouco se percebe a existência de uma atitude estética, mesmo
embrionária, uma tentativa de desenho, quando captamos nossa própria imagem
frente a um determinado fundo. E voltamos à questão da escola. Seria impossível
partir dessa experiência cada vez mais banal, e dar-lhe alguma consciência,
inserindo-a na história do retrato? Seria impossível inserir o fundo frente ao
qual se posa na história da paisagem? Quantos professores de ensino básico e
médio seriam capazes de dar tais aulas, partindo de situações amplamente
conhecidas e vivenciadas por muitos? Poucos. O celular é usado como meio por
artistas, mas quantos professores de arte (e artistas) percebem a diferença
entre curiosidade e arte? A arte é uma atividade de difícil definição.
A falta de conhecimento dos enigmas e das ambigüidades
da figuração influencia sim os equívocos quanto às artes visuais. Afinal, o que
se vê mais facilmente são imagens a partir do Renascimento, e idéias toscas
sobre sua superação no Modernismo. Se aceita a idéia de semelhança sem ter
chance de comparar o retrato com o retratado. Esta experiência poderia ser
possibilitada nas mesmas aulas sobre a história do retrato. Aí começariam a
aparecer as diferenças e as ambiguidades.
É comum a experiência de pessoas que pouco se reconhecem nas fotografias. Já conversei
sobre isso com pessoas sem formação específica: mostraram-se perfeitamente
capazes de entender os problemas envolvidos.
Mas creio que existe outro fator mais poderoso para a
influência de quadrinhos, videogames, publicidade, etc. no espectador: a
multiplicação. Trata-se de imagens naturalmente pensadas para escala de
produção elevadíssima, embora haja exceções. Há quadrinhos em edições pequenas,
sem o acompanhamento do aparato publicitário. Mas no geral essas manifestações
estão facilmente disponíveis, são até inevitáveis, enquanto se pode passar a
vida sem entrar num museu ou galeria de arte. Na mesma mídia impressa ou
eletrônica, poderíamos encontrar grande quantidade de imagens e informações
artísticas, embora de forma desequilibrada, sem a profundidade desejável, e sem
tanto acompanhamento da propaganda. Parece-me faltar um conhecimento inicial
que estimule e capacite à busca, emancipe, e aí voltamos à questão da escola.
Mas o interesse pela arte, no sentido que nós damos a esta palavra, não pode
surgir de uma obrigação, nem se determina o nível desse interesse, ou se impede
seu surgimento. Pode haver um interesse inconsciente por artes visuais em
manifestações mais ou menos próximas, como design de moda, de automóveis, tatuagens,
pinturas de pranchas de surf e skate, que geralmente não ultrapassam o
anseio programado de originalidade e o símbolo de status. Tal interesse pode conduzir a outros níveis artísticos, mas
mesmo com uma informação melhor na escola, creio que muitos continuariam
optando apenas pelo entretenimento. Que tem sua importância, do qual por vezes
necessitamos, e que pode estar presente sem conflitos em obras de arte
autênticas.
Quanto às mudanças nas Universidades, são difíceis,
mas não impossíveis. Houve muitas mudanças significativas, embora ainda
insuficientes, desde a implantação dos primeiros cursos de artes. Como chefe de
departamento, tive oportunidade de dialogar com pessoas de outras áreas. Muitas
se mostraram abertas ao diálogo, compreenderam perfeitamente nossas peculiaridades
e nos apoiaram. Mas creio que a iniciativa só pode partir dos departamentos de
artes, onde é difícil haver um consenso decidido a favor de mudanças efetivas.
2) Eu posso estar
enganada, mas me parece que as artes visuais, no Brasil, são as mais elitistas
das artes. Isso no sentido de serem as menos compreendidas e apreciadas. O
mesmo não me parece acontecer com a literatura, a música, o teatro ou o cinema
contemporâneos. Aqui falo mesmo em termos quantitativos: a sensação que tenho
freqüentando estes meios é de que a elite cultural que aprecia os assim
considerados ‘boa literatura’, ‘boa musica’, ‘bom teatro’ e ‘bom cinema’ é bem
menos reduzida do que a dos apreciadores de arte visuais contemporâneas. Também
a arquitetura e a dança contemporâneas são mais compreendidas. Creio que essa
situação se deva, em parte, à impossibilidade de acompanhar as mudanças que as
artes visuais sofreram. Salvo exceções, as elites culturais apreciadoras das
artes visuais pararam nas vanguardas modernas ou têm dificuldade em distinguir
entre moderno e contemporâneo ou se deslumbram com os modismos equivocados e
passageiros nas artes visuais contemporâneas. Hélio Oiticica e Lygia Clark ou
Waltércio Caldas e Julio Plaza não são tão conhecidos quanto Tarsila ou Villa-Lobos.
Um exemplo rápido que considero esclarecedor: Tarsila e Villa-Lobos têm uma
página dedicada na Wikipedia (a enciclopédia livre online), mas Caldas e Plaza
não têm. Arnaldo Antunes, Lars Von Trier, Teatro Oficina, Ruy Ohtake ou o Grupo
Corpo também têm sua página na Wikipedia. Experimentando buscar os nomes dos
artistas contemporâneos brasileiros e de outros países que estão nas exposições
de repercussão internacional os resultados se repetem; os brasileiros são os
que não têm suas respectivas páginas. Creio que este quadro não seja apenas
resultante das desigualdades financeiras para a repercussão das artes visuais
nos diversos países, mas também do caráter de atividade desconhecida dos
artistas visuais no Brasil hoje... É comum que o leigo ainda pense que o
artista é apenas aquele que desenha, pinta ou ‘faz estátuas’ (escultura). O elitismo das artes visuais é a possibilidade
que resta, já que começa no pouco entendimento do que seja arte, existente
dentro da própria universidade, que seria um meio social que supostamente
deveria legitimar a formação do artista enquanto profissão.
M.B.
- No texto de minha livre-docência, começo citando um texto de Eric
Hobsbawm, onde o autor frisa que as artes visuais despertam um interesse
minoritário na sociedade. Talvez seja inevitável. As artes visuais têm uma
forte tradição ligada à obra única, que muitas vezes tem como destino ser subtraída à visão pública, ao menos por
um período. É um objeto que pode ser fisicamente possuído, embora
ilusoriamente. Pode ser encomendado e guardado. No limite, com alguma ironia, é
viável que o público da obra única seja também único: o comprador. A obra única
limita seu público, e vivemos, há muito mais tempo do que parece, uma época na
qual as obras podem ser fruídas em casa, embora de modo menos completo. É a multiplicação que torna a obra mais
pública, mesmo a única. Há um grande número de tentativas de inserir a obra de
arte no espaço público, entendido fisicamente,
tentando, ao menos no discurso, não ser mais uma manifestação do poder. Mas o espaço público é também mental,
imaterial – começa na percepção. Este é mais difícil de ocupar. Além disso, boa
parte dessas tentativas se constitui de obras efêmeras, expostas a outras
intervenções ou mesmo à destruição, limitando ainda mais o contato. Muitas acabam
sendo colocadas no espaço real da metrópole apenas para sumir, engolidas por
uma situação sensorial poderosíssima, evidenciando a falta de conhecimentos de
desenho ou de recursos financeiros. O espaço só se expande na medida dos financiamentos.
Quando o objetivo é apenas produzir um evento e dar notoriedade aos
participantes, no reduzido meio artístico, nada disso é problema. Sempre existe
a chancela de algum discurso. Mas quando se pretende de fato estabelecer uma
reflexão sobre o contexto urbano contemporâneo, tentando atingir o público real
e desavisado, a realização da obra é
fundamental.
O fator
espetáculo sempre foi uma das principais maneiras de impressionar o leigo. Só
se exacerbou em nossos tempos. Geralmente, se apóia nas grandes dimensões, que
só são grandes levando em conta a relação de escala com o entorno. Isto é
desenho. Das três grandes artes tradicionais – pintura, escultura, arquitetura
– só a última guarda intata, ou até amplificada, pelo desenvolvimento
tecnológico constantemente aplicado, a capacidade de produzir espetáculos. É
fácil ver seu uso contemporâneo a serviço de interesses políticos e econômicos,
continuando a tradição. Creio que a possível relação de escala entre pintura,
escultura e arquitetura, começa a se esgarçar com a industrialização. Há
lugares onde está completamente rompida. E é no contexto urbano das grandes
metrópoles, tendente cada vez mais ao gigantismo, onde se concentra o possível
público e o interesse em produzir espetáculos, que se pretendem introduzir
contra-espetáculos - ou espetáculos outros. Mesmo com o apoio de novas
tecnologias e grandes investimentos, a escala permanece demasiado menor. Suspeito
que o investimento em arte simplesmente não dá um retorno comparável a um
grande empreendimento imobiliário. Existem, é claro, intervenções menos
oficiais, mais discretas, independentes ou clandestinas – que podem ser
oficializadas – coexistindo no espaço urbano, com desníveis enormes de
qualidade artística. São parte de nossa paisagem.
Sou cético
quanto à eficiência dos grandes eventos temporários – que precisam ser
temporários para gerar sua cota de espetáculo - para produzir algum efeito
social apreciável, alguma reflexão a partir da arte. A arte será um meio eficaz
para esta finalidade, justamente pelo desconhecimento que registramos? Ela só
acontece na medida da recepção do público. Um filme não foi capaz de impedir a
reeleição de George W. Bush, mas as reportagens televisivas, veiculadas com
freqüência durante anos, tiveram grande papel contra a Guerra do Vietnam. Não
será melhor tentar usar as possibilidades dos media, em lugar de pretender transformar a arte em reportagem
política? Uma metrópole como São Paulo mal nota iniciativas como Arte Cidade. Qual
o poder de alguns meses de uma Bienal de Arte? Os eventos passam, a cidade fica
– inalterada. Ou melhor, quem continua agindo, ininterruptamente, são as forças
políticas e econômicas que procuram dirigir, bem e principalmente mal, o
urbanismo. Acredito mais nas ações cotidianas e discretas, como aulas, livros,
internet e conversas. Inserir um trabalho no contexto urbano, com poucas
possibilidades de prolongamento interno no público, não produz necessariamente
arte pública. Creio que seria mais efetivo tornar
toda arte pública, em primeiro lugar através da escola, de maneira
emancipadora, permitindo a cada interessado o contato por si mesmo, sem
intermediários - por vezes mal treinados - entre o olhar e a obra.
No entanto, existiriam todas as condições para um
contato maior com as artes visuais, através de reproduções de todos os tipos e
originais múltiplos. Não que isso substitua a presença de uma obra, mas não
esqueçamos o papel do espectador: alguns são capazes de captar mais através de
uma reprodução, do que outros frente à obra real. Qual é o nível de
envolvimento real de tantos espectadores, com condições plenas de estarem
presentes frente ao original, achando “maravilhoso”? Quantos estariam apenas
cumprindo uma obrigação social? Não creio existir uma impossibilidade para
acompanhar as mudanças no campo artístico. Mas
a grande maioria das pessoas não sabe que estão acontecendo, ou não sabe
onde poderia se informar, ou só tem conhecimento das conseqüências mais
secundárias. Ou simplesmente não se interessa. Para que o interesse deixe de ser
minoritário, de novo, a escola pública seria fundamental. Ainda mais no Brasil,
onde as reproduções em livros de arte e até o cinema permanecem fora do alcance
de muitos. A pirataria cultural teria um lado de democratização, além de ser
uma face do crime organizado? A democratização através da imprensa foi
efetivada por uma maioria de editoras buscando o lucro. Vejo pessoas comprando
pilhas de dvd’s e cd’s legais e ilegais. No meio de tudo, é fácil encontrar
filmes e obras musicais importantes. A internet também poderia oferecer
informação ilimitada, mas sem o senso crítico formado na escola haverá a
transformação em conhecimento?
A modernidade assumiu bastante uma postura de desafio
ou indiferença em relação ao grande público, e a obra única facilita isso. As
obras multiplicáveis em grande escala dificilmente podem ignorar os públicos
mais amplos. Correm, é claro, o risco de se tornar apenas um empreendimento
comercial. Sempre existiram artistas com a consciência de estar trabalhando para
poucos, pelo menos durante o tempo de suas vidas, intransigentes com a
qualidade de sua obra, ou operando sem buscar fama e repercussão. É digno e
ético. Mas o risco comercial pode continuar
existindo, mesmo quando o público se reduz. Comprometer um trabalho, dirigindo-o
pela construção da fama, a concessão de bolsas de estudo ou residências artísticas
é menos comercial? Não creio que o artista com a capacidade de realizar um
trabalho de alto nível deva se limitar, mas também não se pode esperar que, no
presente, em curto prazo, tantos se disponham aos esforços exigidos por certas
obras. É muito mais provável o desinteresse. Como e porque um público mais
amplo se interessaria por questões apenas internas das artes? O sistema das
artes visuais opera em circuito fechado. Há galerias com acessos que passam
despercebidos ao não iniciado, ou não convidam ao ingresso. O público desejado
é o potencial comprador, ou aqueles que determinam o valor da obra exposta. O
que é exposição para os já informados
pode ser ocultamento para o resto da
cidade. Recebi há poucos dias uma edição do Canal Contemporâneo estimando em
cerca de 8000 os participantes. É muito para uma rede de relacionamento online?
Trata-se apenas de um indicativo, mas dá o que pensar. Será só este o número de
interessados em arte contemporânea no Brasil? E também não subestimemos
sistematicamente o espectador: alguém não preparado pode simplesmente estar
percebendo a falta de sentido, onde um espectador treinado - ou condicionado -
projeta sua pretensão de conhecimento.
Creio que antes de distinguir entre moderno e
contemporâneo é preciso distinguir entre o que é arte e o que não é. Lembremos
que ao falar em Arte Moderna e Arte Contemporânea estamos incluindo todos seus
academismos, que habitam, talvez majoritariamente, os espaços expositivos.
Seria muito cômodo se o “academismo” assumisse para sempre as formas
canonizadas pelas Academias de Belas Artes. O academismo é uma atitude, não uma
forma fixa. Uma atitude extremamente difundida, não restrita à arte, inevitável
em alguns momentos, é imitar modelos crendo ser original. No campo artístico, sua
forma é camaleônica. Assume a aparência do que permite obter as regalias e
poderes possíveis num determinado momento. Nem todas as Academias de Belas
Artes merecem ser entendidas em sentido pejorativo, nem sempre foi uma
instituição retrógrada. Mas durante largos períodos ser acadêmico era condição
para ter acesso, por exemplo, às melhores encomendas ou às formas vigentes de
residência artística no exterior. Hoje, é preciso apresentar-se com uma
roupagem contemporânea extrema. Não deve haver nada que explicite o academismo,
a não ser, é claro, a própria obra (para quem puder e quiser perceber). A
academia hoje não tem domicílio definido num edifício neoclássico e não se
assume, mas existe. E não esqueçamos também que o academismo não é privilégio
do artista, mas se estende a críticos, curadores, historiadores, galeristas,
professores e outros artistas, e todos que controlam o acesso e a permanência
no circuito artístico. Estes criam os interesses que norteiam o artista
acadêmico. Uma obra nem sempre é exposta por suas qualidades, mas também por
uma rede de relações pessoais, de interesse, julgamentos apressados, enganos,
modismos, limitações mentais. A não ser que acreditemos viver numa época em que
todos os artistas estão radicalmente comprometidos com seu trabalho, críticos e
curadores clarividentes e constantemente íntegros, e não haja meios
privilegiados pela sua capacidade de gerar espetáculos. Não há nada novo ou
contemporâneo nisso, mudam os modelos a se imitar. A “academia”, há tempos,
tende a ser duchampista, a pior coisa que poderia ter acontecido a este artista.
Academismo é tentar transformar a dúvida em garantia.
3) Quando você afirma:
“No caso das artes visuais há um componente intelectual inevitável, mesmo sem
buscar outras conceituações: o desenho entendido como pensamento visual,
compreensão, organização ou desorganização do espaço, olhar qualificado que
recebe e projeta”, você parte do pressuposto de que o desenho seja primordial
às artes visuais. E há quem no próprio
meio da arte discorde. Esta situação de desacordo a respeito disto em que os
próprios artistas se encontram contribui para a confusão sobre o que são as
artes visuais hoje ou sobre o que faz o artista. Muitos artistas visuais hoje
sejam eles participantes ou não, do círculo acadêmico, não percebem uma
necessidade de um pensamento visual e inclusive assumem não saber desenhar ou
não praticar o desenho em nenhuma das suas inúmeras formas. A incapacidade da
qual você fala, de analisar visualmente uma imagem por parte dos acadêmicos, é
também uma incapacidade de muitos dos que se denominam artistas visuais. Estes
compartilham da visão de insuficiente intelectualidade da arte que, conforme
você identifica: “se enraíza no histórico menosprezo pelo trabalho manual,
pelas artes mecânicas e pelo conhecimento sensível e material” e se esquecem ou
não percebem que “técnica é cultura”, acreditando que a única forma de arte
legítima é aquela cujos projetos se embasam em conceituações teóricas,
desconsiderando que a materialização de um objeto ou imagem seja um processo de
pensamento que exige concentração e conhecimento e que produza conhecimento
tanto para o artista quanto para o público. Inclusive, antes desta situação
atual das artes visuais, houve quem defendesse algo quase oposto. Citando um
exemplo controverso na academia, para Rudolf Steiner é preciso visualizar para
meditar e a meditação é uma forma de exercitar o pensar. Neste caso, visualizar
vem antes do raciocínio elaborado pela palavra, a palavra seria o
reconhecimento do raciocínio visual, do raciocínio primeiro (o conhecimento).
Seria quando o raciocínio visual no trabalho de arte é secundário é que se
perde a dimensão pública da arte? Como a criação de públicos especializados
dificulta as finalidades da universidade?
M. B. - Primeiramente,
o desenho faz parte da visão, da mente e do corpo, não está confinado à
arte. É usado constantemente, mas sem
consciência e conceituação. Pouco se percebe o deslocamento do corpo no espaço
como desenho, os roteiros e projetos feitos e desfeitos, o ato de se vestir, as
mudanças qualitativas da experiência visual na metrópole, as mudanças de luz e
espaço com o passar das estações.
Depois, existem pouquíssimos cursos em São Paulo e no
Brasil onde o desenho é discutido com a profundidade necessária. É
perfeitamente possível formar-se em artes visuais, fazer pós-graduação e
participar do circuito artístico sem entender o que é desenho. Nos cursos de
História da Arte, em geral, pouco se vê o desenho como realização gráfica
independente e pensamento visual. Quase tudo gira em volta da pintura e da
escultura.
Para entender de fato o desenho é preciso usá-lo como
maneira de buscar e visualizar o próprio pensamento, meio de realização de
projetos, instrumento da dúvida. Cursos não podem dar mais que uma
fundamentação básica, a ser desenvolvida na
medida das necessidades. Não é difícil perceber como é pequena a quantidade
de alunos formados em artes visuais com um real conhecimento do desenho. Muitos
se limitam a praticá-lo como obrigação nos cursos específicos, que poderiam ter
um papel emancipatório se as buscas
continuassem de forma independente.
É fácil notar que boa parte das artes visuais
recentes é transposição de conceitos verbais para o plano visual. Para alguns
artistas, é mais importante a apresentação ao público certo do que o próprio
trabalho. A
diferença é grande em relação ao pensamento visual. É comum perceber que boa
parte dos artistas visuais tem noções parcas do desenho, a ponto de concebê-lo,
hoje, nos moldes da academia de Belas Artes, inevitavelmente ligado à
figuração, dependente apenas de técnicas gráficas, oposto à pintura,
aparentemente imutável, desligado da história. É a este desenho que se referem
ao considerá-lo dispensável hoje. Não conseguem pensá-lo como uma língua viva,
totalmente conectado com o dinamismo do pensamento de um artista, presente em
qualquer meio. É uma confusão semelhante à dos leigos com a figuração, porém
mais grave, tratando-se de especialistas. Ao ouvir certas referências negativas
ao “desenho do Séc. XIX” tenho a impressão de ouvir uma crítica à academia do
séc. XIX pela academia dos sécs. XX e XXI. E não posso deixar de sorrir quando
ouço falar na “questão da linha”. Ela é um elemento básico e cotidiano de
pensamento visual, expressão visível de um processo sensorial e reflexivo de
busca e construção, como a linha do mesmo lápis em busca do texto. Sua presença
é tão constante que quase se esquece. As verdadeiras questões são bem maiores.
Se a linha vira questão a arte anda muito pequena.
Há outra questão, esta sim real, que me parece afetar
o estudo do desenho. É onde a incapacidade se mostra mais clara e dolorida.
Torna-se evidente demais a necessidade de esforço e persistência para conseguir
ampliar os limites. Ora, aproximadamente no início dos anos 80, foi sendo
forjado o mito do sucesso a curtíssimo prazo, que partindo da área financeira
foi agigantando as proporções do imediatismo. O meio artístico é sensível a
este tipo de sucesso, e tal atitude dificilmente deixaria de se infiltrar. O
desenho se opõe naturalmente à pressa, e também não garante nada além de alguma
habilidade a praticantes mais pacientes, porém sem inquietações. Mas o desenho
é uma capacidade a serviço de um fim,
tanto chave quanto trava para a expressão; limite ético, confronto com o mundo,
obstáculo necessário na rota do conhecimento, como qualquer linguagem.
M. B. - O rigor, a meu ver, deveria começar por uma indagação
contínua: existe mesmo a necessidade (que não tentarei definir) de tentar e
continuar a tentar fazer “arte”? Ninguém é obrigado a ser artista sem a
necessidade de sê-lo. Ninguém precisa ser artista a vida inteira. Quem o é
talvez só sirva para isso. Creio que sempre houve gente demais se aventurando a
ser artista por motivos pequenos. E, claro, a aspiração sincera nada garante.
Só aumenta os riscos. Optando-se pela tentativa, o rigor continua
na escolha de meios/técnicas/materiais/ações a serem efetivados, a fim de que o
desejo, a idéia deflagradora não se percam totalmente. Parece-me inútil tentar
estabelecer um procedimento geral para as operações artísticas: não há artista
genérico. Mas sugiro que estas escolhas já são desenhos, nos vários sentidos
possíveis.
O mesmo rigor de um texto está implícito nesse
processo, já que se trata de uma linguagem poética literalmente materializada.
Como em toda linguagem, tudo significa.
O possível sentido da obra realizada depende de todos os atos realizados.
Podemos pensar numa forma em movimento, onde materiais, técnicas, instrumentos
- ou sua omissão – se integram ao pensamento como a escrita verbal. É neste
rigor que Duchamp se diferencia dos duchampistas. Se o seu uso dos
procedimentos não fosse preciso, as operações mentais não se completariam, e
não haveria tanto interesse pelas interpretações.
A
colagem é um dos grandes princípios de
desenho, não sua negação. Longe de ser uma simples acumulação ou
justaposição, demanda o mesmo rigor de um retrato. Selecionar e reorganizar
imagens e/ou objetos de naturezas diferentes, e tudo o mais que o conceito de
colagem abarca, solicita um olhar tão educado quanto qualquer forma de desenho,
e muitas vezes mãos hábeis. Sempre se trabalhou também a partir de outras
imagens, inclusive como apropriação. Selecionar o objeto da apropriação não é
uma forma de desenho? Interpretar imagens de outra natureza, fotografar o fluxo
da televisão, pintar partindo de imagens coletadas na internet não é
desenhar? Perceber aspectos no caos
urbano capazes de deflagrar uma ação artística, relacionar escalas no espaço
real para uma possível instalação, levar em conta o contexto visual onde o graffite vai ser pintado, não seriam
atos de desenho? Se houvesse mais competência, talvez não se ajudasse certos
arquitetos a degradar nossa cidade com a repetição dos piores modelos
internacionais.
Mas concordo
que arte como “sacadinha” não precisa de desenho.
Mas a
arte é uma atividade de difícil definição...
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Perguntas para os artistas da Exposição Energias na Arte – Instituto
Tomie Ohtake:
FLORA
ASSUMPÇÃO
PROJETO
SERPENTES DE PRATA, 2008-2010
Qual é sua formação? Comente sua trajetória.
Sou formada em artes visuais no Departamento de
Artes Plásticas da ECA-USP, com especialização em gravura (2007). Iniciei minha
produção em artes por meio do desenho e da pintura. Desde 2002 me interesso
pela extensão da escala do desenho para o espaço arquitetônico e tenho
experimentado diversos materiais, técnicas e linguagens. Mantenho reflexão e
prática direcionadas à pesquisa em desenho e em ocupação de superfícies
bidimensionais e, paralelamente, desenvolvo projetos de instalações para
arquiteturas específicas e de instalações para espaços expositivos, explorando
a relação do desenho com escalas arquitetônicas para a criação de ambientes
ficcionais com a intenção de provocar experiências imersivas de caráter
poético.
Como você situa o trabalho selecionado dentro da sua produção? Ele foi
realizado especialmente para o edital Energias na Arte?
Meu trabalho (Projeto Serpentes de Prata,
2008/2010) é um desdobramento de diversas questões que eu já vinha trabalhando
desde 2007 ou até mesmo antes. Eu me refiro não apenas à temática das serpentes
e à atmosfera de ficção, mas também à escala do trabalho e a situação do embate
da dimensão física do trabalho com o tamanho do corpo do espectador e a relação
com a arquitetura.
Quais questões te levam a produzir? Quais questões o seu trabalho pode
gerar?
Eu considero esta pergunta bem difícil de ser
respondida com total precisão, porém, bem resumidamente, sei que parto da minha
experiência de observação do mundo e de como eu me insiro nele.
Meu trabalho (como todo trabalho de arte) pode
gerar muitas questões além daquela a qual eu me proponho quando crio o
trabalho. E isso não é problema, desde que se possa perceber/verificar no
trabalho também a intenção do artista além das questões suscitadas pela
experiência individual do espectador.
Por exemplo, sei que meu trabalho pode soar bastante
feminista, pois constantemente utilizo elementos da natureza como serpentes,
nuvens, o mar, a neblina, o luar, a tempestade, o furacão etc. No entanto, me
interessa muito mais do que um discurso feminista, o embate do humano com a
natureza, que é algo que não se pode controlar, algo com vontade alheia a nós.
Interessa-me a insegurança provocada pelo receio do inesperado que é a vontade
e/ou a força alheia a nós, incontrolável por nós. Interessa-me o receio
provocado pelo desconhecido. Minha referência constante a lendas e mitologias e
o caráter algo sobrenatural e fantástico de minhas criaturas-máquinas
evidenciam a possibilidade do perigo.
Como você insere a sua produção na contemporaneidade? Quais são as
suas referências?
Acredito
que minhas referências digam muito de como minha produção se insere na
contemporaneidade. Acho que sou de uma vertente que carrega uma poética cheia
de algo que eu entendo por lirismo. Eu sou pela poesia, pela metáfora, pela
ficção, por menos literalidade. Acredito que, em arte, se pode dizer (e fazer)
muito por vias indiretas, através do estímulo ao desenvolvimento cognitivo e da
percepção para a formação do indivíduo e que Eu não quero que meu trabalho de
arte seja uma ilustração/citação ou solução (ineficaz) de questões
sócio/econômico/ambientais da atualidade e/ou do próprio meio da arte. O bom
trabalho de arte tem o que for necessário disso tudo e um ‘algo mais’ que é
único.
Minhas referências são visuais, não teóricas e
expressas através da linguagem da fala. São minhas referências a obra de outros
artistas com os quais eu ‘dialogo’ através de minha própria produção de arte.
Entre os vários artistas que me motivam, além de
diversos arquitetos, estão: Regina Silveira, Ana Maria Tavares, Marco Buti,
Olafur Eliasson, Carlos Fajardo, Iran do Espírito Santo, Anish Kapoor, Dan
Graham, Liliana Porter, Christo Javacheff, Tony Cragg etc.
Se você fosse falar sobre seu trabalho para uma criança pequena, como
o faria?
Acho que meu trabalho não precisa ser explicado a
uma criança, pois ele tem grande estímulo visual e acho que é isso que é
importante no meu trabalho e também o que torna a mediação de um adulto
secundária para o meu trabalho despertar ou não o interesse em uma criança. Eu
considero que em artes visuais o trabalho tem que se dar/ acontecer, no âmbito
do que é visual. A palavra é acessória. O conhecimento e a percepção visuais
são linguagem à parte da fala; independem desta.
Claro que eu estou ciente de que as artes visuais
mudaram e mudam ainda muito e que o público leigo não pôde e não pode
acompanhar, de modo que a mediação da palavra se faz necessária. Desacreditar a
necessidade da mediação da arte-educação, do curador ou do próprio artista,
hoje, é quase utópico.
Mas eu
estou dizendo que as artes visuais não são meras ilustrações para a linguagem
falada, pois são uma linguagem por si próprias e não podem sempre ser
traduzidas, fiel e precisamente, pela linguagem da falavai influenciá-lo em
toda a atividade que ele realizar em sociedade.
São
Paulo, 09 de agosto de 2010.
Perguntas
elaboradas pela Equipe de Educadores do Instituto Tomie Ohtake